Pois bem, o rapaz pregava o gênero como uma maneira de produção de cultura das classes inferiores, ideia que contrapõe o que a classe média/alta adulta em geral pensa. Sim, eu digo adulta, pois todos sabem que o Funk se disseminou pelo país entre grande parte dos adolescentes e nem mesmo os degraus sociais foram capazes de conter tal avanço. Pois bem, voltando aos fatos, aquilo tudo, de início, parecia uma tentativa do funkeiro rivalizar com a classe média adulta - a plateia contava com professores e coordenadores de cursos -. No entanto, o respeito falou mais alto que qualquer cantiga promíscua entoada durante o discurso. O MC (perdoem-me, não me recordo o nome), em resumo, defendeu o Funk como uma cultura das comunidades das favelas, ou melhor uma forma de diversão e de entretenimento para essas pessoas, que possuem uma realidade bastante difícil. Indagado sobre a apresentação de um português incorreto nas músicas, o músico afirmou que a mídia deve respeitar o cotidiano dos funkeiros, já que é sabido que a maioria dos moradores das favelas possuem um baixo grau de instrução. Pausa para um batidão e uma água mineral, o assunto mais polêmico tomou conta da palestra.
Tão logo o funkeiro retomou a palavra, houve um pedido para que ele abordasse as questões do sexo e da criminalidade na música. Sem muito hesitar, ele alegou que por mais que a temática não seja a ideal, a cultura deve ser sempre incentivada, pois ela serve de alternativa a caminhos perigosos, como o tráfico de drogas, por exemplo. Além disso, se considerarmos que muitos garotos que seguem o rumo da música conviveram com traficantes passando por suas casas fortemente armados e ainda, mas em uma instância mais abrangente, levarmos em conta que muitos desses traficantes utilizam funkeiros para conseguir ascensão e reconhecimento, são compreensíveis letras com "Rap das Armas", que possui uma legião de nomes de todos os armamentos utilizados pelos chefes do tráfico.
Quanto ao sexo, podemos aplicar a mesma prerrogativa. A alta taxa de natalidade, a baixa utilização de anticoncepcionais e o convívio com pessoas que precisam da venda de seu corpo para conseguir dinheiro para seu sustento, também constituem o cotidiano dos funkeiros nas favelas. Isso explica as abordagens vulgares e sensuais nas músicas comumente tocadas até mesmo em boates da elite carioca. Respondido, tchau e bênção pro MC Cultura. Mas o buraco é mais embaixo.
Não se pode atribuir essas justificativas à temática do Funk e achar que está tudo resolvido. Como ficam nossos adolescentes, cantando por ai melodias mal educadas sem saber que estão tratando a dupla sexo+crime como algo banal? Pode parecer exagero achar que um gênero musical seja capaz de criar tendências em um grupo, mas se relembrarmos a revolução de diversos gêneros musicais, como o Rock'N Roll e todas as suas influências sobre as drogas e o próprio sexo, veremos que é uma opção bastante plausível. Cabe ainda a crítica quanto ao baixo nível das letras, as quais possuem rimas pobres e que, teoricamente poderiam ser feitas por qualquer um que se arriscasse nesse ramo da música. Por sinal esse item traz o último motivo para a não consideração do Funk como cultura: a carência de uma moral educativa e ética.
Dados os dois lados da polêmica, agora sim, podemos discutir quem está com a razão? Os funkeiros, munidos de seu argumento cultural, ou as classes mais abastadas, preocupadas com o impacto do Funk sobre seus filhos? Sinceramente, acho que ambos possuem suas razões, mas, ao mesmo tempo que defendo uma restrição mínima ao Funk dito como "pesado", também preciso lembrar que a audição das pessoas é seletiva para as músicas, logo, se ouve o que se quer ouvir, do mesmo modo que só se influencia quem se deixa influenciar.
Enfim, após um longo e tenebroso inverno, cá estou eu tirando as teias de aranha do teclado. Boa noite a todos, o poeta voltou!