terça-feira, 12 de abril de 2011

A Chuva

Acordei tomado pelo frio naquela noite de inverno. Um temporal se abatia sobre a janela do quarto conforme o previsto. Aquela era a noite mais gélida e tenebrosa do ano. Digo isso sem medo de errar. Tinha certeza que não dormiria tão facilmente sentindo os calafrios daquela madrugada. Resolvi levantar. Avancei para o parapeito da janela e fiquei a observar a chuva lá fora. Era uma chuva fina, porém convicta em sua intenção de causar um arrepio na espinha ao mais insensível ser. Imagine então seu impacto sobre mim, um cara tão sensível quanto você, leitor, jamais poderia pensar.

Sim, sempre fui notável pela sensibilidade. Por vezes, era hábil no trato com palavras e mulheres, com natureza e harmonia, com sentimento e amor. No entanto, a chuva, munida de toda sua espontaneidade enquanto fenômeno da natureza, era algo que jamais consegui dominar. Sentia medo ao ver a chuva desfalecer com estrépito diante do parapeito da janela do segundo andar. O medo às vezes inverte o domínio. A chuva domina o homem.

Sempre achei que a chuva encurralava as pessoas em suas casas sem que fosse possível a elas sair do conforto dos lares sem receber uma boa dose de encharco. Encaro os pingos da chuva como golpes desferidos contra o ser humano que ignorou a supremacia do temporal. Esse destemido ente regressaria ao lar completamente molhado e o encharco que ele traria consigo simbolizaria os ferimentos da batalha contra a poderosa natureza. A chuva é o gladiador que esfaqueia com os raios de Zeus, como se chamasse um reforço de tropas para a guerra. A chuva é, por fim, o castigo de Deus para o ser humano que se atreve a dominar a natureza em sua instância mais avançada.

A chuva, contudo, não demonstra de cara seu potencial avassalador sobre a humanidade. Ela espera o momento certo para avisar ao homem que está na hora dele perceber quem é que dita as regras da vida terrena. Ela espera as noites mais sombrias para aparecer da maneira mais fascinante e severa. Nessas noites, apenas o homem que decide desafiar a natureza sai de casa. Sai para a escuridão da noite e se depara com uma batalha infinda contra as forças naturais. Talvez os mais bravos retornem intactos. Foi assim que aprendi a entender a chuva desde que aluguei esta casa numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos.

Nesses dois anos e meio que passei morando por aqui, a chuva foi uma constante durante a noite, principalmente no rigoroso inverno. Perdi muitos sonos admirando-a. Por isso, posso lhe assegurar, caro leitor, que a chuva desta noite era diferente. Por isso mesmo, resolvi fazer algo que jamais havia planejado: desafiar o Hércules da natureza. Confesso que essa decisão foi deveras repentina e duvidei por um momento de minha sanidade mental. Mas estava seguro de meus objetivos. Determinado, desci as escadas e cheguei à porta.

Como morava sozinho, já estava acostumado a fazer as coisas por conta própria. Estava confiante, apesar de solitário. Abri a porta de olhos fechados esperando um batalhão inteiro demonstrar sua covardia com ferocidade. Após breves segundos, fui abrindo os olhos para presenciar um pouco do caos...mas nada acontecia. De jaqueta, saí para o jardim e transitei por uns cinco minutos pela rua deserta. Depois disso, retornei. Com grande surpresa, percebi que estava completamente seco. De imediato, atribuí tal fato à impermeabilidade da jaqueta. Ledo engano. A chuva desfere seus golpes apenas nos que ignoram seu potencial. Aqueles que a desvendam e demonstram seu respeito por ela, nada sofrem. O Hércules da natureza, afinal, reconhece a humildade dos homens.